Depois do livro antecessor, Shangai 1937 “Stalingrad on the Yangtze” (aproveito aqui o espaço pra corrigir um pequeno erro; ambos os livros foram lançados em 2015)...
A
batalha de Shangai que já foi abordada em uma resenha anterior, antecede a
própria batalha de Nanking (ou Nanjing que significa “Capital do Sul”) a sede
do governo nacionalista de Chiang Kai Shek e capital chinesa na época.
Estrategicamente falando o valor da captura dessa cidade era mais simbólico
para o EIJ (Exército Imperial Japonês) do que prático, afinal lá estava a
cúpula do governo chinês e acreditavam que com a captura da capital, todo resto
do país sucumbiria, diferente de Shangai onde o valor estratégico devido sua
industrialização e portos era nítido, mas a principio evitado pelos invasores,
pois pelo que entendi (sim, o livro também é escrito em inglês rsrs) pretendiam
tomar primeiro Nanking de assalto e contornar até Shangai, que é uma cidade
próxima e não ao contrário, como as forças armadas chinesas fizeram acontecer,
afinal de contas, Shangai era protegida naturalmente pelo rio Yangtze, o que
limitava o invasor ao uso da Marinha Imperial até um tenso desembarque anfíbio,
somado a isso era uma região montanhosa e de dificil acesso para a cavalaria
motorizada, o que no inicio do conflito causou muitas baixas ao invasor.
A
batalha de Shangai não abriu apenas os portões de Nanking, mas os portões do
próprio inferno!!! 13 de Dezembro de 1937; as forças japonesas tomam a cidade
de Nanking... Psicologicamente abalados com a crueza da batalha anterior, pelas
perdas de companheiros de batalha (muitas vezes parentes ou amigos pessoais) e
pelo não cumprimento da promessa do governo japonês de que retornariam para
casa, os soldados japoneses frustrados com a sequencia do conflito e também por
puro sadismo (muitas vezes sob influência de saquê e ópio) revelaram o lado
mais dantesco da soldadesca que seria descontado na indefesa população civil
que “nada” tinha haver com o conflito. Assassinatos, estupros, tortura, um
verdadeiro jogo da morte!!!
“Divididos em grupos de 10 a 15 pessoas, os
pelotões japoneses saiam de casa em casa, de rua em rua, procurando a quem
matar e estuprar; seus olhos não eram humanos, mas como tigres e leopardos”
(Iris Chang – The Rape of Nanking).
O
fardo da defesa da capital chinesa ficou a cargo do despreparado General Tang
Shengzhi que em contrapartida confrontava o competente General japonês Iwane
Matsui* ; um desastre era o mínimo que poderia se esperar... Embora o comando
das forças invasoras estivesse a cabo de Matsui, sua saúde na época
(tuberculose) deu espaço a uma outra figura, que de acordo alguns
historiadores, teria mais haver com o banho de sangue perpetuado na cidade,
trata-se do príncipe Asaka Yasuhiko, Oficial do EIJ (Tenente) e tio do
imperador Hiroito que deu diretamente as ordens para eliminar os militares
chineses rendidos, algo configurado de acordo com o direito penal internacional
como crime de guerra.
Rumores das atrocidades cometidas com o avanço
japonês rumo a Nanking era trazido por desesperados camponeses sobreviventes
que fugiam das vilas e zonas rurais adjascentes do caminho/estradas entre
Shangai para a capital, a imprensa japonesa e ocidental chamava tudo de
“propaganda de guerra ou exagero chinês”; o EIJ se aproveitou disso e enquanto
dizimavam a caminho, sua força aérea enviava panfletos avisando a capital que
os japoneses eram amigos e que vieram para libertar a Ásia do colonialismo
ocidental. Após sinais de resistencia, essa mesma força aérea bombardeava
maciçamente alvos civis!! A China com uma força aérea mediocre, pouco podia
fazer; mas uma das curiosidades do livro é o auxílio dado pela União
Soviética**.
Mapas do livro revelam que o terreno para Nanking não era um
obsctáculo para a artilharia e cavalaria motorizada japonesa, a cidade contava
com uma muralha defensiva de séculos, mas ela não era párea para a guerra
mecanizada!! A atuação do exército chinês foi desesperada; o grosso das suas
melhores forças (a divisão 88) já havia sido dizimada em Shangai num erro
estratégico comprometedor e o que restava eram apenas números, quantidade e não
qualidade, diferente do EIJ, que embora pequeno, altamente profissional e
modernizado.
O resultado da catástrofe foi a diserção do efetivo militar chinês
e fulga em massa (mesmo sob punição de pena de morte)! Na verdade, os oficiais
foram os primeiros a abandonar a cidade (incluindo o líder do governo que
transferiu a capital para outra cidade mais distante das garras do império
nipônico). A China, na verdade, já estava enfraquecida por uma guerra civil
entre nacionalistas (que estavam no poder) e os comunistas, que mesmo com uma
trégua e união após a invasão japonesa, não foram páreos para a letal
tempestade de aço vinda da terra do sol nascente!! Um dos erros crassos de
muitos soldados chineses, que pesaria mais tarde contra a população da cidade
foram três:
1º) A incompentencia do alto comando e do governo chinês em
desenvolver uma estratégia de defesa;
2º) A população foi proibida de abandonar
a cidade, cujas fronteiras foram cercadas pelo ENC (Exército Nacionalista
Chinês);
3º) Muitos soldados em fuga, abandonaram seus trajes militares e se
disfarçaram de civis, mas os invasores não estavam dispostos a distinguir “quem
era ou não militar”; as ordens eram claras: “qualquer elemento com corte de
cabelo curto é suspeito”, sem contar que o próprio direito internacional
condecora tal atitude comparável a espionagem (cuja aplicação da pena de morte
não configura crime de guerra e isso seria usado mais tarde pela defesa
japonesa no Julgamento de Tóquio)...
Entediados e vitoriosos os japoneses
buscariam na população a válvula de escape para sua ira; as mulheres foram o
alvo principal, consideradas trofeus do campo de batalha e uma forma de os
manterem “disciplinados” do ponto de vista do comando japonês, pois se tivessem
o que quizessem, não protestariam em voltar pra casa.
Saques, até mesmo em propriedades estrangeiras foram registrados,
até a própria polícia chinesa foi exterminada sob alegação de que poderiam
formar uma resistência junto com elementos de guerrilha. Crianças não foram
poupadas e era prática comum dos soldados embriagar suas baionetas com o sangue
inocente.
Há relatos até mesmo do abuso de idosos, onde os soldados obrigavam
filhos a fornicar com suas mães e os pais com suas filhas, irmãos com irmãs. Os
estupros das mulheres que eram mais comuns dos 12 aos 40 anos, eram muitas
vezes coletivos e feitos nas presenças de seus maridos, pais, irmãos e filhos;
qualquer tentativa de impedimento era neutralizada com um tiro e qualquer
resistencia das vítimas, com tortura e morte; existem fotos de cadaveres
femininos despidos nas ruas da cidade, muitas vezes com objetos como garrafas e
pedaços de pau introduzidos nas suas vaginas. Outro fator impactante foi o
concurso de decaptação com a espada katana entre oficiais do EIJ, isso foi
documentado e estimulado por um jornal japonês que os clamavam como
heróis.
Enterrar vivo, ser entregue a
cães famintos, queimar vivo, esses se tornaram “jogos comuns” dos soldados. Alguns
estrangeiros que estavam na cidade, cientes da brutalidade, resolveram criar a
chamada Zona Internacional de Segurança, onde de acordo com autoridades
militares e diplomáticas japonesas, seria destinada a mulheres, crianças,
doentes e velhos, ironicamente um dos representantes e líder desse comitê era
um membro do partido nazista (Jhon Rabe) que devido a amizade entre a Alemanha
e o Japão foi votado pelo comitê visando facilitar as negociações com as
autoridades civis e militares japonesas. Mas ainda assim, segundo relatos de
missionários americanos, membros da cruz vermelha internacional, médicos
voluntários e outros estrangeiros na cidade, era comum os soldados violarem a
zona internacional a procura de mulheres.
Somente em 1938, após a inspeção do
General Iwane Matsui na cidade e sua consequente abertura para a imprensa
internacional, os massacres cessaram e os militares japoneses foram orientados
a manter distância da população civil.
Com o fim da II Guerra Mundial, a
evidência dos crimes de guerra japoneses vieram á tona e o Tribunal Militar
para o Extremo Oriente criou em separado uma seção para o julgamento específico
desse crime.
Esse livro traz muitas reflexões; não vou entrar em questões
humanistas (quem quizer analisar apenas por esse lado, isso está bem óbvio no
episódio em si), mas o fator principal é a negligência que o mundo acadêmico
ocidental dá ao fato, inclusive por consequências ideológicas ultrapassadas que
remotam a guerra fria (algo muito comum nos meios acadêmicos em cursos de
humanas, principalmente na área de História) que devido seu anti-americanismo
barato e clichê, coloca os japoneses como vítimas inocentes das duas bombas atômicas
lançadas em agosto de 1945, ignorando o fato de que foram os “yamatos” que
começaram a guerra (inclusive contra os EUA, atacando Pearl Harbor em 1941; seu
erro crasso, apesar das poucas opções do Japão devido sua crise demográfica e
de recursos nos anos 30, fato que os lançaram contra a China...), que maioria
da população civil japonesa era a favor da guerra; não sabendo esses acadêmicos
ou fingindo não saber que o bombardeio incendiário de Tóquio em 1945, embora
não tenha sido nuclear, deixou mais vítimas que Hiroshima e Nagasaki, desconheçendo
(ou ignorando) o fato de que o ataque atômico contra essas duas cidades não
foram apenas um teste ou um ato político, mas que do ponto de vista militar
também tinham valor estratégico (com base nas baixas de ambos os lados
ocorridas nas batalhas de Okinawa e Iwo
Jima que são apenas ilhas do arquipélago japonês, calculou-se que um
desembarque no próprio Japão seria muito pior que as próprias bombas atômicas,
sem contar que eram cidades vitais para o esforço de guerra japonês, uma delas
inclusive contendo um quartel general e que sem essas bombas, a guerra talvez
só poderia terminar em 1949) e que nesse bombardeio morreram menos pessoas do
que no próprio “Estupro de Nanking” (as fontes são dados da Cruz Vermelha
Internacional).
O proselitismo acadêmico devido a sua prisão ideológica em se
ler apenas historiadores com essa visão perpetuou inclusive nas escolas essa
idéia de que as bombas nucleares foram um “terrorismo americano”; e isso
contradiz até mesmo o tal humanismo pregado por tais grupos, afinal de contas,
para as vítimas do julgo japonês desde 1941 no pacífico (1931 no caso da
Manchuria onde alguns anos mais tarde o Japão testou em seres humanos armas
biológicas na infame Unidade 731 e 1910 no caso da Coréia onde a população era
proibida de falar coreano em seu próprio país e obrigados a batizar seus filhos
com nomes japoneses), esse bombardeio foi um tremendo alívio, afinal de contas,
ao menos pra mim e pra outros poucos, não
existe justiça sem vingança e fodam-se!!!
Estima-se que 300 mil pessoas tenham sido
assassinadas; o governo japonês nega até hoje contestando a credibilidade das
acusações. O livro com 300 (e 36) páginas (ironicamente 300 mil pessoas exterminadas)
traz todos os detalhes desse sórdido e macabro episódio e ainda como numa
dessas mórbidas coincidencias da vida (ou da morte...), a previsão da chegada
desse livro aqui em minha residência (já que na verdade estou até o momento na
posse de um “e-book”) será no dia 13/12/2019, data que a cidade foi invadida,
mas no longínquo ano de 1937...
*Após a rendição do
Japão em 1945, os aliados sob comando do General americano Douglas Maccarthur,
decidiram, por interesses políticos não responsabilizar a família imperial
pelos crimes de guerra do império japonês; muitos defendem a idéia de que o
General Matsui teria sido na verdade um “bode expiatório” para livrar um membro
da casa imperial (principe Asaka) da forca.
** A URSS cedeu alguns
de seus aparelhos e pilotos para teinar a força aérea chinesa e até mesmo
combater os invasores, afinal, com a ruptura de Hitler com o governo chinês e
sua aproximação com o Japão, a URSS viu uma oportunidade de fazer aliança com a
China e aumentar a simpatia da opinião pública desse país pelos comunistas. De
todo modo, a força aérea russa, diferente do seu exército, não era párea para a força áerea nipônica.
Mais tarde o governo chinês que se via obrigado a aceitar tal ajuda, ao mesmo
tempo nunca simpatizou com os comunistas que sempre combateram, o que gerou um
afastamento da URSS, mas a China se aproximava dos EUA cada vez mais, onde mais tarde, nos anos 40, um contrato com
a força aérea americana possibilitou o envio dos chamados “Tigres Voadores”,
uma força de pilotos mercenários americanos que deram muita dor de cabeça aos
japoneses, inclusive na manutenção da estrada da Birmania, uma rota de
abastecimento crucial para o esforço de guerra chinês e sua resistencia contra
a invasão.