28 de novembro de 2019

NANJING 1937 “Battle for a Doomed City” (Peter Harmsen / Editora Casamate, 2015 – Inglaterra)

Esse pode ser considerado ao lado do Holocausto, um dos capítulos mais obscuros da humanidade, onde mais uma vez a história foi escrita em sangue (e semen) e o ser humano deu forma a sua natureza auto-predatória!!! 

Depois do livro antecessor, Shangai 1937 “Stalingrad on the Yangtze” (aproveito aqui o espaço pra corrigir um pequeno erro; ambos os livros foram lançados em 2015)...


A batalha de Shangai que já foi abordada em uma resenha anterior, antecede a própria batalha de Nanking (ou Nanjing que significa “Capital do Sul”) a sede do governo nacionalista de Chiang Kai Shek e capital chinesa na época. 

Estrategicamente falando o valor da captura dessa cidade era mais simbólico para o EIJ (Exército Imperial Japonês) do que prático, afinal lá estava a cúpula do governo chinês e acreditavam que com a captura da capital, todo resto do país sucumbiria, diferente de Shangai onde o valor estratégico devido sua industrialização e portos era nítido, mas a principio evitado pelos invasores, pois pelo que entendi (sim, o livro também é escrito em inglês rsrs) pretendiam tomar primeiro Nanking de assalto e contornar até Shangai, que é uma cidade próxima e não ao contrário, como as forças armadas chinesas fizeram acontecer, afinal de contas, Shangai era protegida naturalmente pelo rio Yangtze, o que limitava o invasor ao uso da Marinha Imperial até um tenso desembarque anfíbio, somado a isso era uma região montanhosa e de dificil acesso para a cavalaria motorizada, o que no inicio do conflito causou muitas baixas ao invasor. 

A batalha de Shangai não abriu apenas os portões de Nanking, mas os portões do próprio inferno!!! 13 de Dezembro de 1937; as forças japonesas tomam a cidade de Nanking... Psicologicamente abalados com a crueza da batalha anterior, pelas perdas de companheiros de batalha (muitas vezes parentes ou amigos pessoais) e pelo não cumprimento da promessa do governo japonês de que retornariam para casa, os soldados japoneses frustrados com a sequencia do conflito e também por puro sadismo (muitas vezes sob influência de saquê e ópio) revelaram o lado mais dantesco da soldadesca que seria descontado na indefesa população civil que “nada” tinha haver com o conflito. Assassinatos, estupros, tortura, um verdadeiro jogo da morte!!! 

“Divididos em grupos de 10 a 15 pessoas, os pelotões japoneses saiam de casa em casa, de rua em rua, procurando a quem matar e estuprar; seus olhos não eram humanos, mas como tigres e leopardos” (Iris Chang – The Rape of Nanking).  

O fardo da defesa da capital chinesa ficou a cargo do despreparado General Tang Shengzhi que em contrapartida confrontava o competente General japonês Iwane Matsui* ; um desastre era o mínimo que poderia se esperar... Embora o comando das forças invasoras estivesse a cabo de Matsui, sua saúde na época (tuberculose) deu espaço a uma outra figura, que de acordo alguns historiadores, teria mais haver com o banho de sangue perpetuado na cidade, trata-se do príncipe Asaka Yasuhiko, Oficial do EIJ (Tenente) e tio do imperador Hiroito que deu diretamente as ordens para eliminar os militares chineses rendidos, algo configurado de acordo com o direito penal internacional como crime de guerra

Rumores das atrocidades cometidas com o avanço japonês rumo a Nanking era trazido por desesperados camponeses sobreviventes que fugiam das vilas e zonas rurais adjascentes do caminho/estradas entre Shangai para a capital, a imprensa japonesa e ocidental chamava tudo de “propaganda de guerra ou exagero chinês”; o EIJ se aproveitou disso e enquanto dizimavam a caminho, sua força aérea enviava panfletos avisando a capital que os japoneses eram amigos e que vieram para libertar a Ásia do colonialismo ocidental. Após sinais de resistencia, essa mesma força aérea bombardeava maciçamente alvos civis!! A China com uma força aérea mediocre, pouco podia fazer; mas uma das curiosidades do livro é o auxílio dado pela União Soviética**.

Mapas do livro revelam que o terreno para Nanking não era um obsctáculo para a artilharia e cavalaria motorizada japonesa, a cidade contava com uma muralha defensiva de séculos, mas ela não era párea para a guerra mecanizada!! A atuação do exército chinês foi desesperada; o grosso das suas melhores forças (a divisão 88) já havia sido dizimada em Shangai num erro estratégico comprometedor e o que restava eram apenas números, quantidade e não qualidade, diferente do EIJ, que embora pequeno, altamente profissional e modernizado.

O resultado da catástrofe foi a diserção do efetivo militar chinês e fulga em massa (mesmo sob punição de pena de morte)! Na verdade, os oficiais foram os primeiros a abandonar a cidade (incluindo o líder do governo que transferiu a capital para outra cidade mais distante das garras do império nipônico). A China, na verdade, já estava enfraquecida por uma guerra civil entre nacionalistas (que estavam no poder) e os comunistas, que mesmo com uma trégua e união após a invasão japonesa, não foram páreos para a letal tempestade de aço vinda da terra do sol nascente!! Um dos erros crassos de muitos soldados chineses, que pesaria mais tarde contra a população da cidade foram três:

1º) A incompentencia do alto comando e do governo chinês em desenvolver uma estratégia de defesa;

2º) A população foi proibida de abandonar a cidade, cujas fronteiras foram cercadas pelo ENC (Exército Nacionalista Chinês); 

3º) Muitos soldados em fuga, abandonaram seus trajes militares e se disfarçaram de civis, mas os invasores não estavam dispostos a distinguir “quem era ou não militar”; as ordens eram claras: “qualquer elemento com corte de cabelo curto é suspeito”, sem contar que o próprio direito internacional condecora tal atitude comparável a espionagem (cuja aplicação da pena de morte não configura crime de guerra e isso seria usado mais tarde pela defesa japonesa no Julgamento de Tóquio)... 

Entediados e vitoriosos os japoneses buscariam na população a válvula de escape para sua ira; as mulheres foram o alvo principal, consideradas trofeus do campo de batalha e uma forma de os manterem “disciplinados” do ponto de vista do comando japonês, pois se tivessem o que quizessem, não protestariam em voltar pra casa. 

Saques, até mesmo em  propriedades estrangeiras foram registrados, até a própria polícia chinesa foi exterminada sob alegação de que poderiam formar uma resistência junto com elementos de guerrilha. Crianças não foram poupadas e era prática comum dos soldados embriagar suas baionetas com o sangue inocente. 

Há relatos até mesmo do abuso de idosos, onde os soldados obrigavam filhos a fornicar com suas mães e os pais com suas filhas, irmãos com irmãs. Os estupros das mulheres que eram mais comuns dos 12 aos 40 anos, eram muitas vezes coletivos e feitos nas presenças de seus maridos, pais, irmãos e filhos; qualquer tentativa de impedimento era neutralizada com um tiro e qualquer resistencia das vítimas, com tortura e morte; existem fotos de cadaveres femininos despidos nas ruas da cidade, muitas vezes com objetos como garrafas e pedaços de pau introduzidos nas suas vaginas. Outro fator impactante foi o concurso de decaptação com a espada katana entre oficiais do EIJ, isso foi documentado e estimulado por um jornal japonês que os clamavam como heróis.  

Enterrar vivo, ser entregue a cães famintos, queimar vivo, esses se tornaram “jogos comuns” dos soldados. Alguns estrangeiros que estavam na cidade, cientes da brutalidade, resolveram criar a chamada Zona Internacional de Segurança, onde de acordo com autoridades militares e diplomáticas japonesas, seria destinada a mulheres, crianças, doentes e velhos, ironicamente um dos representantes e líder desse comitê era um membro do partido nazista (Jhon Rabe) que devido a amizade entre a Alemanha e o Japão foi votado pelo comitê visando facilitar as negociações com as autoridades civis e militares japonesas. Mas ainda assim, segundo relatos de missionários americanos, membros da cruz vermelha internacional, médicos voluntários e outros estrangeiros na cidade, era comum os soldados violarem a zona internacional a procura de mulheres. 

Somente em 1938, após a inspeção do General Iwane Matsui na cidade e sua consequente abertura para a imprensa internacional, os massacres cessaram e os militares japoneses foram orientados a manter distância da população civil. 

Com o fim da II Guerra Mundial, a evidência dos crimes de guerra japoneses vieram á tona e o Tribunal Militar para o Extremo Oriente criou em separado uma seção para o julgamento específico desse crime.

Esse livro traz muitas reflexões; não vou entrar em questões humanistas (quem quizer analisar apenas por esse lado, isso está bem óbvio no episódio em si), mas o fator principal é a negligência que o mundo acadêmico ocidental dá ao fato, inclusive por consequências ideológicas ultrapassadas que remotam a guerra fria (algo muito comum nos meios acadêmicos em cursos de humanas, principalmente na área de História) que devido seu anti-americanismo barato e clichê, coloca os japoneses como vítimas inocentes das duas bombas atômicas lançadas em agosto de 1945, ignorando o fato de que foram os “yamatos” que começaram a guerra (inclusive contra os EUA, atacando Pearl Harbor em 1941; seu erro crasso, apesar das poucas opções do Japão devido sua crise demográfica e de recursos nos anos 30, fato que os lançaram contra a China...), que maioria da população civil japonesa era a favor da guerra; não sabendo esses acadêmicos ou fingindo não saber que o bombardeio incendiário de Tóquio em 1945, embora não tenha sido nuclear, deixou mais vítimas que Hiroshima e Nagasaki, desconheçendo (ou ignorando) o fato de que o ataque atômico contra essas duas cidades não foram apenas um teste ou um ato político, mas que do ponto de vista militar também tinham valor estratégico (com base nas baixas de ambos os lados ocorridas  nas batalhas de Okinawa e Iwo Jima que são apenas ilhas do arquipélago japonês, calculou-se que um desembarque no próprio Japão seria muito pior que as próprias bombas atômicas, sem contar que eram cidades vitais para o esforço de guerra japonês, uma delas inclusive contendo um quartel general e que sem essas bombas, a guerra talvez só poderia terminar em 1949) e que nesse bombardeio morreram menos pessoas do que no próprio “Estupro de Nanking” (as fontes são dados da Cruz Vermelha Internacional). 

O proselitismo acadêmico devido a sua prisão ideológica em se ler apenas historiadores com essa visão perpetuou inclusive nas escolas essa idéia de que as bombas nucleares foram um “terrorismo americano”; e isso contradiz até mesmo o tal humanismo pregado por tais grupos, afinal de contas, para as vítimas do julgo japonês desde 1941 no pacífico (1931 no caso da Manchuria onde alguns anos mais tarde o Japão testou em seres humanos armas biológicas na infame Unidade 731 e 1910 no caso da Coréia onde a população era proibida de falar coreano em seu próprio país e obrigados a batizar seus filhos com nomes japoneses), esse bombardeio foi um tremendo alívio, afinal de contas, ao menos pra mim e pra outros poucos, não existe justiça sem vingança e fodam-se!!!

Estima-se que 300 mil pessoas tenham sido assassinadas; o governo japonês nega até hoje contestando a credibilidade das acusações. O livro com 300 (e 36) páginas (ironicamente 300 mil pessoas exterminadas) traz todos os detalhes desse sórdido e macabro episódio e ainda como numa dessas mórbidas coincidencias da vida (ou da morte...), a previsão da chegada desse livro aqui em minha residência (já que na verdade estou até o momento na posse de um “e-book”) será no dia 13/12/2019, data que a cidade foi invadida, mas no longínquo ano de 1937...

*Após a rendição do Japão em 1945, os aliados sob comando do General americano Douglas Maccarthur, decidiram, por interesses políticos não responsabilizar a família imperial pelos crimes de guerra do império japonês; muitos defendem a idéia de que o General Matsui teria sido na verdade um “bode expiatório” para livrar um membro da casa imperial (principe Asaka) da forca.

** A URSS cedeu alguns de seus aparelhos e pilotos para teinar a força aérea chinesa e até mesmo combater os invasores, afinal, com a ruptura de Hitler com o governo chinês e sua aproximação com o Japão, a URSS viu uma oportunidade de fazer aliança com a China e aumentar a simpatia da opinião pública desse país pelos comunistas. De todo modo, a força aérea russa, diferente do seu exército,  não era párea para a força áerea nipônica. Mais tarde o governo chinês que se via obrigado a aceitar tal ajuda, ao mesmo tempo nunca simpatizou com os comunistas que sempre combateram, o que gerou um afastamento da URSS, mas a China se aproximava dos EUA cada vez mais,  onde mais tarde, nos anos 40, um contrato com a força aérea americana possibilitou o envio dos chamados “Tigres Voadores”, uma força de pilotos mercenários americanos que deram muita dor de cabeça aos japoneses, inclusive na manutenção da estrada da Birmania, uma rota de abastecimento crucial para o esforço de guerra chinês e sua resistencia contra a invasão.