13 de maio de 2022

TUMULARIO "Maligno & Essencial" (Abismo Metal Store/2022)

O que vem à cabeça quando a gente pensa na Colômbia? Assim rápido, de supetão, penso logo no Masacre e sua honrosa trilha pelo Death Metal sul-americano. Depois me vem a imagem de Héctor Escobar Gutiérrez com sua carga literária diabólica (devo isso muito ao Disgrace and Terror, obrigado demônios!!) e, por fim, não poderia faltar o gênio dos pincéis! Ele mesmo! Fernando Botero! Esses são importantes símbolos da estética questionadora produzida na Colômbia que povoam minha cabeça neste momento; certamente esqueci alguns, mas, sem dúvidas, esses são nomes muito fortes. Entretanto, creio que daqui pra frente um outro nome se juntará a esse time em minhas lembranças: Tumulario!

O power trio vindo de Bogotá grava seu primeiro Full Lenght e o Brasil tem o privilégio de ser contemplado por este lançamento; o selo baiano Abismo, também está debutando, e “Maligno & Essencial” é a primeira empreitada do nosso Anderson Cachaça, figura bastante conhecida aqui da cena soteropolitana. A escolha foi perfeita! O Tumulario traz um Black/Thrash Metal da antiga escola do Metal extremo sul-americano, a versão colombiana dessa escola já nos deu bandas historicamente importantes como Sargatanas, Agresión e o já citado Masacre dentre outras. O Tumulario talvez tenha uma crueza que se possa comparar às duas primeiras; e também certa técnica que não seria equívoco remeter à derradeira. Ainda assim eu não diria que há uma influência tão direta dessas três bandas. Morgul (bateria e voz) Abrahel (baixo e segunda voz) e Tar-Minastir (guitarra e segunda voz) elaboram uma sonoridade bem própria com rifes expressando fraseados que apontam para o Thrash Metal dos anos 80, só que numa timbragem tipicamente Black Metal. Os solos surgem em melodias que tiram nossos sentidos da bagaceira thrasher e nos levam para a tragédia diabólica blackmetaller. Os vocais também vão na linha do Black Metal com gritos mais rasgados e soltando o verbo, na maior parte do disco, em espanhol. O baixo traz alguns graves importantes para o equilíbrio sonoro das composições e a bateria simples, orgânica, crua é um fator que conecta o Tumulario a algo mais primitivo e muito bem executado.

No que diz respeito ao conceito, o trio colombiano divide o trampo em quatro partes: I. O Manifesto: Este é o primeiro momento, ele abarca as faixas Revelación, Tumulario e Succubus. A primeira é uma intro que prepara o Headbanger para a tormenta conceitual que está por vir. Então surge a segunda composição, trazendo uma definição de identidade para a horda. Tumulario é uma espécie de alma penada que aqui arrebanha e comanda mortos vestidos em roupas lúgubres para dar início a um ritual que macula o sagrado erguido pelos inimigos e os sacrifica no altar. Que bela alegoria, não? O derradeiro tema é a primeira das três composições que estão em inglês no Álbum. Succubus é uma entidade diabólica em forma de mulher; nesta composição um homem narra em primeira pessoa a maneira como foi possuído por essa Diaba! É genial!!! É uma possessão e ao mesmo tempo uma espécie de estupro porque a Diaba trepa com o eu lírico na medida em que o sufoca, corta sua pele fazendo-o sangrar e lambe sua face. Ele a descreve como uma figura infernal, forte e lasciva que toma sua alma e o transforma num viciado prisioneiro sexual. Fooooda!!!!!

E aí a gente chega no momento II. O Repúdio: Pueblo Apático (Final Premeditado) fala de uma Colômbia mergulhada na miséria, fala da ganância e indiferença de uma elite escrota e desse “povo apático” que não reage. Essa não reação é associada ao próximo tema do segundo momento conceitual que chama-se Idolatria y Descristianización. Aqui temos a razão de tanta apatia! O domínio através da cristianização! E agora a pergunta é minha: Como pode haver tanta gente tola no Metal, defendendo que Black Metal não tem nada a ver com política? Pra não ter que se posicionar contra o fascismo é mais fácil fingir uma isenção, não é isso? Mas com o Tumulario não é bem assim e as chibatadas no cristianismo surgem agressivas logo após a pesada crítica à apatia política do povo.

No momento III. A Maldade, o Tumulario nos convida a refletir sobre um piromaníaco. Incineración é uma composição que descreve a loucura incendiária de alguém açoitado pela modernidade, alguém que sucumbiu diante da laicidade do mundo ocidental moderno e resolveu transformar a loucura incendiária em seu ritual. Também temos Coven & Stakes (coven e estacas; segunda faixa em inglês) que vem narrar um ritual selvagem e lésbico, um ritual orgástico que se assume como preparação para a luta contra um status quo que oprime as mulheres. É uma declaração de vingança contra a opressão cristã. Após duas formas de resistências até aqui descritas (uma desvairada, acéfala e outra mística) temos, então, Represalias (Verdugo Desatado) que vai nos mostrar justamente o ressentimento, um sentimento que atira pra onde o nariz aponta, mais uma vingança desvairada, e vai vitimar quem merece e também quem não merece a dor, vai vitimar inclusive aquele que se vinga.

E finalmente o momento IV. O Renascer. É chegada a hora de canalizar as energias e buscar o destino vital: Segundo o Tumulario, sua Arte! O seu Metal! Isso nos é dito em Esencia del Ser!! A essência do ser!! Aquela que pode ser pagã ou blasfema, ritualística (como em Coven & Stakes) ou simplesmente herético (como em Idolatria y Descristianización). Esse é o caminho para encontrar a liberdade, é o caminho até o Eternal Metalhead (Majestic Comandment). O “Metalhead eterno”, o “majestoso mandamento” é 3ª e última faixa em inglês, somadas às 7 em espanhol; ela nos encaminha para um lugar “acima da moralidade”, para “empregar o orgulho”, para “elevar o ser”. Resistindo, rebelando-se e batendo cabeça até o dia de encarar a porra do túmulo é que seremos grandiosos!!!

A faixa bônus The Wight’s Chant (El Cantico del Tumulario) – seria algo como “o cântico da alma penada” – tem uma letra retirada do poema de J.R.R. Tolkien com adaptação do batera e vocal Morgûl e ampliado pelo resto da banda. E assim finda o Full Lenght do trio; um trabalho ímpar que ainda traz uma capa muito foda feita por Felipe Mora. Num colorido lisérgico, místico e macabro o artista atendeu ao conceito da horda colombiana com extrema competência, fazendo da capa um outro elemento forte da obra. Alexander Daza foi o cara do layout; David Tormento e Miguel Angel Osorio foram os responsáveis pelas fotografias. Trabalho gráfico impressiona, o trampo é em digipack, o encarte com bastante páginas e ainda vem acompanhado por um poster. Abismo Metal Store caprichou!! Sebastian Rojas e Tumulario gravaram, mixaram e masterizaram tudo no Mantra Studios.

No frigir dos ovos a obra aqui analisada é uma aula do mais verdadeiro e genial niilismo. Sua sonoridade é áspera, trabalhada dentro de uma dissonância complexa que ao mesmo tempo trilha por um caminho simples e despretensioso. Desta maneira traz um conceito forte, arrebatador e totalmente vinculado às bases do underground metálico. É macabro, forte e inteligente como Héctor Escobar Gutiérrez, Masacre e Fernando Botero.

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