18 de setembro de 2019

SHANGAI 1937 “Stalingrad on the Yangtze” (Peter Harmsen / Editora Casamate, 2016 - Inglaterra)

Essa é uma leitura muito esclarecedora para aqueles que assim como eu são obcecados por temas que abrangem conflitos bélicos, principalmente eventos pouco explorados (ou muito mal esclarecidos) da guerra no Pacífico e Leste Asiático durante (a até antes) da II Guerra Mundial, no chamado “Período Showa”*.



O escritor (que se não me engano é holandês) perito no assunto já teve seu trabalho reconhecido em boa parte da Europa e Ásia, ganhando prêmios na China/Taiwan e a antipatia da extrema direita ultra-nacionalista japonesa. Saliento que o livro é escrito em inglês (devem haver outras versões, mas com certeza não em português), porém como estou num processo de aprendizado do idioma, essa leitura me serve como exercício, mas o fator principal é agregar mais do meu modesto conhecimento sobre o infame conflito sino-japonês.

O título desse livro cuja tradução seria uma analogia a bestialidade que se passou na Europa no ano de 1941, quando tropas alemãs tentaram ocupar num sangrento combate urbano de casa em casa a cidade soviética (Stalingrado) composta pelo rio Vístula, embora não 100% fiel as proporções daquele conflito, faz sentido a sua comparação.

Primeiro, assim como Stalingrado, a cidade chinesa de Shangai também é composta por um rio, o Yangtze (rio amarelo) e assim como a cidade russa, boa parte do efetivo militar chinês estava concentrado nessa cidade, determinados a barrar o avanço nipônico, sem contar que a cidade era um grande polo industrial chinês com a diferença que continham também empresas de nações estrangeiras como o Reino Unido,  EUA (que ainda não estavam em guerra com o Japão), Itália, França e até mesmo a Alemanha nazista (que ainda não havia assinado o pacto Antikomintern de ajuda mútua com os japoneses, aliás esse livro mostra que os nazistas nutriam uma simpatia com as forças nacionalistas chinesas de Chiang Kai Shek, o autor traz inúmeros documentos comprovando a cooperação militar da Alemanha com a China através de conselheiros militares como o General alemão Alexander Von Falkenhausen e a venda de equipamentos bélicos como o famoso capacete germânico Stalmhelm, muito usado pelas tropas nacionalistas chinesas, até antes da ruptura de Hitler com a China e sua aproximação com o império japonês).

O livro muito bem diagramado, 310 páginas, contém versão capa dura e capa normal, além da versão virtual (algo tão sem graça pra mim quanto um mp3), inúmeros documentos da época, mapas, depoimentos e fotos, tudo isso somado a uma leitura aparentemente muito empolgante, principalmente se você for fluente no inglês.

Capítulos como “Rivers of Blood” (Rios de Sangue) ou “Flesh Against Steel” (Aço Contra Carne), por exemplo, descrevem detalhadamente os passo a passos das batalhas, as estratégias dos generais de ambos os lados (germinava aqui a semente da irresponsabilidade que levaria pelos americanos, quase uma década mais tarde, o General japonês Iwane Matsui  para forca, condenação essa um tanto controversa, embora esse seja um assunto que abordarei apenas na “continuação” desse livro).

O que mais me chama atenção neste escrito, é como o conceito de guerra moderna que caracterizou o século XX, pode ter começado na Ásia e não na Polônia em 1939 como sugere a maioria dos historiadores; afinal os yamatos** já utilizavam da “guerra mecanizada” (“Blietzkrieg”) com seus tanks shi-nu e Type 97 Shi-Ha, foi a primeira vez em que destacamentos aéreos bombardeavam maciçamente alvos civís e embora o uso de armas químicas (gás) já tenha sido praticado por tropas italianas na Etiópia há apenas dois anos antes (1935), os japoneses abusaram desse artificio que já configurava crime de guerra de acordo com as convenções de Genebra após a I Guerra Mundial (e isso pesaria contra eles mais tarde no Julgamento de Tóquio).

Pra finalizar eu tentei me aprofundar ainda mais nesse assunto durante a época da faculdade, mas não havia espaço para o tema, por motivos que vão desde o conteúdo do estudo do continente asiático ter sido fraco (eles só estão prepocupados com a África ou com temáticas voltadas a oposição contra a ditadura militar brasileira) e também somado ao anti-americanismo ultrapassado e clichê desses cursos de humanas que indiretamente serviram para amenizar a imagem das forças imperiais japonesas durante sua desumana atuação nos territórios ocupados e somado a isso os bombardeios nucleares de Hiroshima e Nagasaki que embora um mal extremamente necessário, serviram também para inocentar a imagem nipônica no conflito, principalmente em comparação para seus aliados nazistas, que em minha opinião modesta, mas analisada e dotada de fontes e fatos, foram ainda “menos piores” que os yamatos.

A batalha de Shangai que é dividida em duas partes (uma menor em 1932 onde os japoneses não fizeram grande progresso) e a definitiva em 1937 que teve início com o descarado incidente da Ponte Marco Polo*** e ela foi decisiva para o destino de toda a China, cuja agonia só cessou após a rendição do Japão em 1945 após o lançamento das bombas atômicas pelos EUA.

Mas ainda levariam 8 longos anos e ainda em 1937, após essa batalha que abriu as portas para o exército imperial marchar até Nanking (capital chinesa) rumo a um dos episódios mais hediondos da história humana, história essa que abordarei com o livro do mesmo autor que foca nesse último incidente. 

*Era do Imperador Hiroito; ironicamente significa um período de paz, harmonia e iluminação. 

**Termo que os japoneses usavam para caracterizar sua própria raça, algo como os arianos para os nazistas.  

***A Ponte Marco Polo era a divisão da parte chinesa e da parte japonesa de Shangai adquirida em 1932 durante o primeiro conflito. Em 1937, oficiais japoneses enviaram um telegrama ao alto comando chinês com um ultimato de 24 horas pedindo permissão para uma inspeção na cidade, afim de encontrar um soldado japonês desaparecido que, segundo eles, poderia estar perdido na parte chinesa da cidade. O ultimato foi negado e os japoneses alegando que esse suposto soldado estaria cativo num posto militar chinês, atacaram o outro lado da ponte, iniciando assim um conflito que só se encerraria em 1945.