26 de março de 2015

Banger Expression: Metal na Baixada Santista (SP)

...as dificuldades eram muitas, as condições eram mais que precárias, não se tinha grana pra porra nenhuma, mas éramos jovens imbuídos de um sentimento muito forte por algo que ainda mal conhecíamos, mas que já corria em nossas veias e fazia os nossos corações baterem mais fortes. Na década de 80 nascia o metal brasileiro e rapidamente chegou a vários lugares do país.
A baixada santista não poderia ficar de fora...

por Adair Junior:


As primeiras bandas

Tivemos a sorte de ter em nossa região um seleiro de bons músicos e isso fez pipocar uma banda em cada esquina (ou seria em cada garagem ?). O nosso maior expoente sem sombra de dúvidas é o Vulcano, capitaneado pelo mestre Zhema, mas além deles ainda veríamos brotar vários outros grandes talentos, como Santuário que foi convidado a participar do 2º volume do Lp “SP Metal”, o “Angel” que também participou do Lp “Metal Brigade” lançado pela revista Rock Brigade, que na época era a nossa maior fonte de informação, e o Psychic Possessor que foi convidado pela Cogumelo de M.G. pra lançar o “Toxin Diffusion”.

Vulcano

Esses, foram feitos, que na época, era sinônimo de grande status para as bandas!! Gravar um disco nos anos 80 já era uma missão bem difícil, prensar o Lp era muito mais complicado e muito caro, e a grande maioria das bandas não dispunham desse capital pra investir em seu som. Ter o apoio de um selo pra lançar seu trabalho era algo que realmente dava outro status as bandas.

Como eu disse tudo era muito difícil. Quando se tinha algum equipamento pra ensaiar não tinha o local, e quando se tinha o local não tinha o equipo. Em algumas ocasiões duas bandas se juntavam para rachar as despesas do aluguel de um local para ensaiar e ambas colocavam o equipamento. Na base da parceria a cena foi se fortalecendo. Até que surgiu em Santos o local que até hoje, nós os velhinhos, chamamos de PV.

Angel - Circo Marinho
Em pleno Gonzaga bairro super nobre da cidade!!! Era uma casa em que o dono alugava cada quadrado para as bandas colocarem seus equipamentos e ensaiarem. Ou seja, era banda pra caramba ensaiando na casa!!! Uma das bandas em que eu toquei chegou a ensaiar lá por um tempo e por algumas vezes pude ouvir ensaios de grupos que iam do jazz até outras barulheiras vindas do porão da casa.

Depois de algum tempo começaram a surgir os estúdios de ensaios que já dispunham de alguma infraestrutura e equipamentos que nós só víamos em shows. Com o passar dos anos vários apareceram pra facilitar a vida das bandas e proporcionar melhores condições para comporem e gravarem seus trabalhos.

Shows

Nessa época tivemos alguns lugares muito legais pra shows e quem teve a oportunidade de assistir a um show em algum deles certamente nunca mais esquecerá. O mais lendário deles foi o Circo Marinho, localizado na Av. Ana Costa. Nesse local tivemos a oportunidade de ver bandas de outros lugares do país como o Taurus, Vodu, Metrallion, Krânio Metálico, Sepultura, Attômica, Lobotomia, Extermínio, BSBH, Volkana, e o lendário show do Dorsal Atlântica, em que os bangers pararam a avenida!!!

Além do pessoal daqui da região vieram vários bangers de algumas partes do interior pra ver esse show!!! Da baixada santista podemos ver o Pactus Fire, Mordedura, Angel, Druidas, Vulcano, Explicit Repulsion, Alcoólica, Psychic Possessor, Mystic Death.

Mas o pico mais fóda de show que eu tive a oportunidade de ir foi um barzinho pequeno que abriu na cidade que eu moro chamado “Flash Chopp”. Eu já havia visto shows bem legais, mas neste bar, sem palco, com equipo colocado pelas bandas e com pouco espaço eu pude ver pela primeira vez outras duas bandas que também são nossos orgulhos locais, o Chemical Disaster e o No Sense.

Primeiro veio o show do Chemical Disaster. Lembro-me da postura da banda para começarem o show, do sangue nos olhos de cada um deles e da voracidade ao tocarem cada acorde. Quando as primeiras notas foram cuspidas pelos falantes eu fui literalmente jogado pra trás!!! Passou pela minha cabeça “caramba, o que isso!!!!!!!”. O show foi destruidor e ainda tivemos nesta mesma noite Explicit Repulsion e Asmodeu. 

Com a intenção de fazer um som mais agressivo e elaborado, André Martins, um excelente músico e compositor que na época tocava no grupo de Heavy Metal Warkings, aliado a Luiz Carlos que tinha o grupo de thrash Ignorance deram vida ao Chemical Disaster. Para as baquetas chamaram Arthur Justo, um jovem baterista que vinha se destacando na época pela maneira brutal que tocava com o lendário Alcoólica, e somaram mais uma guitarra com a entrada de Diego Gonzales. O que se via era uma verdadeira seleção de ótimos músicos. Luiz Carlos (V), André Martins (B), André Luiz – ou Apolo (G), Diego (G) e Arthur (D), formaram uma autentica máquina de fazer barulho!!!

Em uma outra ocasião a casa já havia construído um palco para as bandas se apresentarem e foi ai que eu vi algo que sem sombra de duvidas me impressionou muito mais!! Uma banda com um estilo de som ainda praticamente inexistente em nosso país, quem dirá em nossa região, e como se isso ainda não fosse suficiente, nos vocais uma doce menina com pouco mais de 13 anos de idade vociferando!!! 

O som era extremamente veloz e a vocalista além de agitar muito só faltou sangrar e cuspir a garganta de tanto urrar. Não houve quem ficasse parado!!! O fato trágico do evento foi o stage dive do vocalista do IHZ, Prandini, atual vocal do Paura, que se apresentara na mesma noite. O nosso destemido amigo pulou direto de encontro ao chão e fraturou (ou deslocou) a clavícula. Azar o nosso que vimos apenas uma pequena parte do show.

Falando um pouco sobre o No Sense, a banda teve como mentor e idealizador Angelo Bruno, uma das mentes mais brilhantes e criativas dentro da música undeground da baixada santista, é sem sombra de dúvidas o pioneiro do grindcore em nosso país e essa prata temos a honra e o grande orgulho de dizer que é da nossa casa. 

A banda também conseguiu na época logo após o lançamento da sua primeira demo tape, “Confused Mind”, a façanha de ter o seu primeiro trabalho, o compacto “Out of Reality”, lançado pelo selo paulista Fucker Records, e graças a incrível repercussão desse lançamento, que até hoje é muito procurado por fãs do gênero, conseguiram um contrato com a Cogumelo para o lançamento do Lp “Cerebral Cacophony”. Sem nenhuma grande pretensão, Marly (V), Angelo (G), Morto (B) e Paulinho (D) cravaram o nome da banda na história mundial desse gênero a época muito pouco compreendido.

Muitas das vezes que eu ia pra um show, além da grana do ingresso eu tinha apenas a grana do busão e umas moedas pra beber algo. Muitas vezes saímos dos shows e ficávamos até altas horas sentados na praça esperando uma condução para poder voltar pra casa. Isso quando não voltávamos caminhando!!! Mas a vontade de fazer parte daquilo era muito maior do que qualquer adversidade ou dificuldade.

Neste mesmo lugar eu vi shows do Safari Hamburgers, Garage Fuzz ainda em trio, Skullkrusher, Dezakato, IML, e mais alguns que a memória não me permite lembrar.

A região também pode contar com outros lugares pra shows, mas alguns não duraram muito por conta dos baderneiros que quebravam o local ou por falta de interesse dos proprietários em manter as portas abertas para a música underground. Casas como o Bar do Torto não mantiveram suas portas abertas por mais tempo ao Metal por conta dos prejuízos que alguns davam danificando a estrutura do local. Tivemos aqui também o Dynamo, uma espécie de filial da casa que havia aberto em São Paulo.

Outro lugar que teve shows incríveis foi o SOMECA, em Cubatão. Não era um espaço destinado pra essa finalidade, mas que serviu muito bem ao propósito de quem organizou eventos, lá. Bandas como Genocidio, Krisiun, Mitological Cold Towers, Acid Angel, se apresentaram nesse espaço alternativo. Da região um dos shows mais memoráveis que eu puder ver lá, foi o show do Violent Vision!!! Lançando sua segunda demo tape, “Only Fear”, meus amigos mostraram que aqui na baixada santista tínhamos bandas de altíssima competência e musicalidade. 

Já no início dos anos 90 tivemos em Santos o teatro de arena anexo ao teatro municipal manteve o projeto “Rock de Arena”. Neste espaço fantástico aconteceram vários shows e podemos contar com a boa estrutura do local além da ótima condição técnica de equipamentos e profissionais que comandavam o sistema de som e iluminação. Bandas como Explicit Repulsion, Necrodulia, Chemical Disaster, Vulcano, Asmodeu, Torture Squad, Traumma, Four Guys Playing Hell, Coliforme Fecal e várias outras que certamente não irei lembrar, tiveram a oportunidade de fazer seus shows lá, disfrutando dessa rara e ótima condição. 


Metal Rock – Loja

Pepe e Uruka (Metal Rock Recs)
Falar do metal na baixada santista e não falar da Metal Rock é pular uma parte muito importante da história. A loja do Pepinho teve imensa importância na vida de todos os headbangers da baixada santista!!! Muitas amizades que perduram até hoje foram feitas nos encontros de sábado à tarde na loja, que ficava no Centro Comercial do Embaré, em Santos, e se tornou ponto de encontro do pessoal. Nessa época de muita dificuldade e total falta de acesso aos Lps importados, era lá que íamos saciar o nosso desejo por música!!! Quem não podia adquirir um Lp fosse ele gringo ou nacional tinha a oportunidade de grava-lo em cassete e ouvi-lo da mesma forma.

Me lembro até hoje o dia em que descobri a loja. Me senti como uma criança na Disneylandia!! Expostos nas paredes discos do Metallica, Anthrax, Exodus, Destruction, Agent Steel, e outras bandas que logo se tornariam ícones do thrash metal, estilo que eu tive a honra de ver nascer e que até hoje faz o meu coração bater mais forte. Também pude ver os primeiros discos de bandas brasileiras chegarem, lá.

Korzus e RxDxP (Programa Hard´n´Heavy)
Depois de um tempo a loja se mudou para o Gonzaga ampliando as suas atividades para selo. Através do selo Metal Rock Records as bandas Last Joker, Hammerhead e MR. Green tiveram seus trabalhos editados. Graças ao trabalho do Pepinho tivemos a oportunidade de ver shows de bandas gringas aqui!! Nunca podemos imaginar que um dia assistiríamos aqui, a um show do Saxon, Mercyful Fate e King Diamond, Gamma Ray, Napalm Death, Exodus com Paul Ballof, dentre outros. Isso sem contar às excursões que eram organizadas pela loja e levava o pessoal pra assistir os shows em São Paulo.

O Pepe teve também um programa de rádio onde ele entrevistava bandas locais e de outros lugares além de tocar as novidades da ocasião. O programa se chamava Hard’n’Heavy e deu origem a dois festivais organizados por ele.


União

Mystic Death
É bem sabido que a tecnologia nos anos 80 passava muito longe das facilidades de hoje em dia, mas havia uma força de vontade e empenho muito maior por parte de todos. Pra se fazer a divulgação de um evento, tínhamos que colar cartazes de poste em poste próximos dos locais onde a galera frequentava, panfletar nos botecos para que de boca em boca todos ficassem sabendo. O resultado era normalmente o mesmo, a galera comparecendo em bom número para prestigiar as bandas e se divertirem.

RxDxP e Pepe (Programa Hard´n´Heavy)
Tudo era muito mais real. A união e interação era muito maior. Era muito bacana ir prestigiar os shows das bandas locais, trombar os amigos, beber e se divertir. Entre as bandas não havia competição e sim união!! O maior exemplo disso foi o projeto chamado de “Circuito Hard Core” que era a apresentação conjunta de 4 bandas da baixada, No Sense, Explicit Repulsion, IHZ e Safari Hamburgers. Unidos dispunham de todo o equipamento e transporte para venderem os shows pra outros lugares e aqui na região.

Tínhamos bailes com som mecânico, onde ficávamos horas simplesmente ouvindo música, bebendo e zuando até quando conseguíamos ficar de pé.

Hoje, infelizmente as pessoas vão à porta do local e não entram!! Ficam bebendo do lado de fora enquanto a banda toca do lado de dentro.

As dificuldades da época davam um enorme sentido à participação de todos. Tudo tinha muito mais valor!!! Um mísero cassete com uma demo tape ou o disco de uma banda gravado tinha um enorme valor pra todos.


A Banalização da Música

Infelizmente tudo tem o seu lado bom e ruim. Com as praticidades dos tempos de hoje é muito mais fácil ter uma banda, gravar um trabalho e divulgar, mas infelizmente com o passar dos anos as pessoas perderam o hábito de ter as coisas e com isso houve a desvalorização do trabalho das bandas. Antes quando ficávamos sabendo do lançamento da nova demo da banda de um camarada logo alguém corria atrás pra conseguir pegar a sua, e assim seguíamos dando apoio. Nos juntávamos uns nas casas dos outros pra ouvir os discos que conseguíamos comprar.

Hoje todos ficam esperando que caia na web pra baixarem. Enquanto bandas e músicos seguem a duras penas tocando e sustentando seus instrumentos, horas de ensaio, e tudo que o leva a fazer música, simplesmente por amor ao que fazem, o público se acomodou com a praticidade de ouvir as músicas pela web.


Metal x Rock

Bom, eu tenho usado o termo “metal” durante toda a minha narrativa do nascimento desse monstro que está ligado diretamente ao rock, porque pra falar de Rock eu teria que voltar muito mais no tempo, e este é um assunto para outro bate papo e com alguém que tenha a barba e os cabelos mais brancos que os meus...

Adair Junior

Santuário

Excruciation

Asmodeu
Chemical Disaster
Adair Junior
Melómano
(Baixista do Repulsão Explícita - RepulsaoExplcita.bandcamp.com)

ajrobp@hotmail.com